domingo, 17 de dezembro de 2017

Mercado do Mate tenta se reinventar



Ervateiras se diversificam para ganhar em consumo

Tererê e chá-mate agora integram portfólio ao lado
do chimarrão EMATER/DIVULGAÇÃO/JC
O setor ervateiro gaúcho movimenta cerca de R$ 1,2 bilhão por ano, segundo o último informativo do Fundo de Desenvolvimento e Inovação da Cadeia Produtiva da Erva-Mate (Fundomate), considerando todas as etapas, desde a produção até o beneficiamento da erva-mate pela indústria ervateira e a comercialização. Enfrenta, porém, desafios para crescer ou mesmo manter os números, visto que a maior parte da venda é restrita à tradição regional. "Não é todo dia que nasce um gauchinho tomando mate", resume o diretor executivo do Instituto da Brasileiro da Erva-Mate (Ibramate), Roberto Ferron. 

Pior ainda quando essa mesma população passa por uma crise econômica, com o desemprego em alta. A estimativa da entidade é de que o consumo de erva-mate tenha caído cerca de 20% nos anos mais recentes, o que causou também apreensão no campo, com a desvalorização do produto. Ferron afirma que a última elevação de preços aos produtores aconteceu entre 2013 e 2014, quando receberam até R$ 18,00 pela arroba. Parte da remuneração virou investimento em manejo, adubação, poda. Mas, com a retração de mercado, muitos arrancaram os ervais, dando lugar ao cultivo de grãos e outros produtos agrícolas. "Em Venâncio Aires, mais da metade foram arrancados. Entrou fumo, mandioca. No Alto Uruguai, chegou-se a ter 40 indústrias ervateiras. Hoje, tem 20", relata. 

Atualmente, o produtor recebe entre R$ 8,00 e R$ 12,00, dependendo da região de cultivo e da qualidade da erva. "O mercado é estável, sem perspectivas de melhora para tão cedo. Chegou em um equilíbrio, mas ruim para produtores e indústrias", avalia. O cultivo envolve 14 mil propriedades rurais, distribuídas em 258 municípios. Dados estatísticos do Sindicato da Indústria do Mate no Estado do Rio Grande do Sul (Sindimate), elaborados a partir da Pesquisa Agrícola Municipal do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), mostram que a área de plantio gaúcha caiu de 35,2 mil hectares, em 2014, para 33,4 mil hectares em 2016. Ou seja, redução de 5,1%. Em relação a 2000 (38,8 mil hectares), a queda no índice é de 13,7%. E a mesma tendência é observada no Paraná, estado que hoje representa 39,3% da área de cultivo. 

É por isso que, entre a cadeia produtiva, ganha força a tese de que é preciso conquistar novos consumidores e diversificar a produção. A indústria aposta, por exemplo, no aumento de consumo em outras regiões do País, investindo, principalmente, no tererê e no chá-mate. "A indústria está sempre tentando inovar. Temos que tentar novas formas de consumo além do chimarrão", afirma o presidente do Sindimate, Alvaro Pompermayer, que também observa queda na demanda por conta do menor poder aquisitivo do consumidor. "Ele não deixou de tomar chimarrão, mas achou uma forma de economizar: diminuiu o tamanho da cuia", analisa.
 
A ervateira Barão, de Barão de Cotegipe, no Alto Uruguai, começou a investir no tererê em 2015, principalmente para resolver o problema de sobra de palitos no processo de exportação. "Tem crescido muito bem nos últimos dois anos. Já representa de 8% a 10% das vendas", afirma o diretor Sergio Antonio Picolo. Os principais destinos são o Mato Grosso e o Nordeste brasileiro. 

Outra diversificação recente da empresa, que nasceu em 1951, sob a marca Picolo, foi o chá-mate tostado. É vendido há mais de cinco anos, mas não cresce "lá grande coisa", conforme o dirigente. E o próprio investimento em exportação de erva-mate - que começou na Barão, em 2002, e representa, hoje, em torno de 30% do faturamento - é uma forma de fugir dos períodos de queda ou de estagnação do mercado interno. A ervateira trabalha, regularmente, com mais de 2 mil produtores. Outras empresas gaúchas tradicionais, como Ximango e Madrugada, apresentam o tererê no catálogo. "O tererê será o boom da erva-mate", confia Ferron. 

Empresa de Encantado cresce com foco no mercado uruguaio 

Em 1920, a família Baldo, de origem italiana, iniciou a construção de uma fábrica de erva-mate em Vespasiano Corrêa, município ao norte de Lajeado. Era um começo similar ao de outras tantas indústrias gaúchas. Mas começou a tomar rumos diferentes quando, ao longo das décadas, resolveu investir menos na erva-mate verde, líder no mercado brasileiro, e mais na repousada, que ganha a preferência em países como Uruguai, Paraguai e Argentina. 

A vocação da empresa para o mercado externo ficou ainda mais clara quando, em 1998, a Baldo adquiriu o controle patrimonial da Canarias S.A., que detinha a maior fatia do mercado uruguaio e com quem mantinha parceria desde a década de 1980. "Fomos avançando no mercado", conta o diretor da Baldo, Leandro Gheno. Hoje, com quatro unidades nos três estados do Sul, sendo a principal no município de Encantado, ela exporta cerca de 32 milhões de quilos de erva-mate ao Uruguai por ano. Representa quase 60% do faturamento anual de R$ 350 milhões. 

Só que não é só a Baldo que, a essa altura, enxerga o comércio exterior como uma saída interessante para alavancar as vendas. Dados do Sindimate mostram que as exportações cresceram 155% nos 10 anos mais recentes. Em 2016, foram destinadas 35 mil toneladas de erva-mate beneficiada a outros países, gerando receita de US$ 82,4 milhões. São 39 destinos diferentes - o que, para o setor, comprova o potencial para a cadeia produtiva. O auge da série histórica foi em 2014, quando a receita foi de US$ 114,1 milhões. 

Estabelecida no país vizinho, a ervateira de Encantado, agora, pretende conquistar espaço no mercado brasileiro. "Temos em mente que o mercado interno pode representar 20% das nossas vendas." O percentual atual é de 5%.

A estratégia de diversificação também existe na Baldo. Passa por fase final de licenciamento uma fábrica de chá-mate, em São Mateus do Sul (PR). "Estamos buscando alternativas para que as pessoas consumam produtos à base de mate", justifica Gheno. O empresário, no entanto, não concorda que o consumo esteja caindo ou mesmo estagnado, mas em um crescimento pequeno. "Pode ser ampliado, mas depende de esforço para que a erva-mate seja reconhecida além do hábito, como um produto que faz bem à saúde e dá energia." 

Tradição local sustenta produção de porongos 

Maior região produtora é o Médio Alto Uruguai, com cerca de
900 hectares dedicados ao cultivo /Emater/RS/Divulgação /JC

Adilson Gonçalves, de 45 anos, investiu em 112 hectares nesta safra, nos municípios de Parobé e Palmeira das Missões. A área não é nem de soja, nem de milho, tampouco de arroz. Há 20 anos, ele tem como principal atividade o cultivo do porongo, matéria-prima para a cuia de chimarrão. "Já plantei soja, arroz e trabalhei com leite. A atividade que mais deu retorno financeiro foi essa", afirma ele, natural de Vicente Dutra, município tradicional para a cultura. Acredita ser o maior produtor brasileiro e, possivelmente, do mundo.

Gonçalves produz, em média 5 mil quilos por hectare, e cada hectare rende entre 7 mil e 8 mil porongos úteis. O custo é de aproximadamente R$ 600,00 por hectare em área própria (no seu caso, 40 hectares) e R$ 1,6 mil na arrendada. Depois, beneficia e vende ao artesanato ou diretamente ao consumidor como cuia. Vende, por ano, em torno de 450 mil porongos a artesãos, a preços que variam entre R$ 1,50 e R$ 2,00, dependendo da qualidade do produto (é dividido em cuia boa, média e casca). Antes mesmo de colher, entre os meses de abril e maio, já tem boa parte da produção encomendada.

O negócio deu certo a ponto de o produtor desembolsar parte da renda para aumentar a tecnologia. Anos atrás, inventou uma plantadeira para o porongo e, a seguir, uma máquina de carregamento. Também talvez seja o único produtor do Estado que invista, hoje, em irrigação por gotejamento, afirma ele, em uma área de dois hectares. Nela, a produtividade teria chegado a 27 mil quilos por hectare. Foram duas colheitas.

A maior região produtora de porongo, no entanto, está a mais de 400 quilômetros dali, na região do Médio Alto Uruguai. Ela é caracterizada por municípios como Vicente Dutra, Iraí, Frederico Westphalen e Caiçara. Segundo a Emater-RS, a região apresenta 960 hectares de cultivo, com uma produção estimada em 5,1 milhões de porongos, sobretudo de casco grosso, e 185 propriedades. É por lá também que está concentrada a produção do artesanato de cuias e outras peças, envolvendo cerca de 250 famílias. A produção de casco fino, por sua vez, é mais recorrente na região Central do Estado, em municípios como Santa Maria e Restinga Seca. Mas, em ambas regiões, muita gente desistiu nos últimos anos, com a menor demanda em função da crise. Gonçalves teria conseguido atravessar bem o período em função da escala.

Chimarrão dá lugar a produtos inusitados

Tererê e chá-mate são produtos bastante difundidos na indústria, de olho em novos consumidores em regiões mais quentes. Mas há quem vá bem mais longe na ideia de diversificação. A Rei Verde, que tem matriz em Erechim, vende erva-mate em cápsulas de 400 mg, com promessa no rótulo de aumentar a disposição diária e ajudar na dieta e na redução de peso. "Foi uma alternativa que encontramos para tornar a erva-mate ainda mais popular", disse o sócio-diretor da empresa, Alfeu Strapasson, em entrevista ao Jornal do Comércio no ano passado, logo após o lançamento do produto.

Em 2012, a fábrica de Santa Maria começou a produzir energético à base de erva-mate, açaí e guaraná orgânicos, invenção de um empresário porto-alegrense. A catarinense Folle divulgou em diversos eventos pelo Brasil um refrigerante de mate. E a Farimate, uma farinha enriquecida com o produto, foi uma invenção bastante curiosa do Moinho Sangalli, de Encantado, que chegou ao mercado no final de 2014. 

Estado tem cerca 13,4 mil artesãos de bombas e cuias
 
Schneider aprendeu o ofício com o pai e, hoje, vende
em todo o País e até no Japão /FREDY VIEIRA/JC
O Programa Gaúcho do Artesanato, iniciativa que incentiva a formalização de artesãos e fornece carteira de trabalho, entre outros benefícios, envolve, atualmente, 89,9 mil gaúchos. Destes, cerca de 15% trabalham com bombas e cuias de chimarrão, segundo a coordenadora, Marlene Leal Garcia. Ou seja, a estimativa é que 13,4 mil pessoas dependem desse produto tradicional para ter renda, em média de três a cinco salários-mínimos.

Marlene afirma que, no caso dos cuieiros, a maior parte está próxima às regiões produtoras de porongos, como Frederico Westphalen e Vicente Dutra. "Vem de família. Muitos trabalham desde a plantação, outros compram e fazem", relata ela, que não vê grandes impactos da crise econômica por se tratar de um "mercado cativo", baseado na tradição.

A produção de bombas de chimarrão está mais espalhada no Estado - mas, igualmente, apresenta, em certa medida, caráter familiar. Foi com o pai que Klayton Schneider e o irmão, Kleber, aprenderam a fabricar o produto. Ourives, o patriarca desistiu de vender joias. "Foi atrás de um produto que vendesse. Fez a primeira bomba de prata para ele mesmo, o que não deixa de ser uma joia", relata.

A Bombas Schneider funciona em uma residência, sem fachada ou funcionário. A divulgação acontece por meio de site, redes sociais e boca a boca, além de alguns eventos. Trabalham principalmente com bombas com bocal de ouro e prata, com preços a partir de R$ 398,00. Vendem entre 10 e 15 unidades por mês, para todo o Brasil e também para fora do País. "Gaúcho tem no mundo inteiro. Tem CTG até no Japão." 

Fonte! Este chasque (reportagem) foi publicado nas páginas do Jornal do Comércio de Porto Alegre - RS, na edição do dia 11 de dezembro de 2017.

Nenhum comentário:

Postar um comentário